No transcorrer dos três anos, um
dos espaços mais simbólicos desta comunidade que vem do céu pra terra é a mesa.
Não como utilizavam os romanos que de gostarem tanto de comer, provocavam o
vômito para continuarem a se fartarem. Faziam deste “lugar momento” uma arena
contra Deus, onde se acentuava as intrigas, disputas, glutonarias, em fim, um
lugar profano. Em total oposição, a mesa para fé cristã é espaço de
compartilhamento (com +pão), de intimidade, de solidariedade e amizade. É um
lugar onde o sagrado senta-se e dá de comer as que se aproximam, sustentando a
vida.
Após a ressureição de Cristo suas
aparições quase que não se deram a indivíduos isolados, mas sempre a grupos no
mínimo de duas pessoas, como os discípulos no caminho de Emaús; às mulheres no
sepulcro, a Pedro e João também no mesmo local, aos discípulos receosos em um
cenáculo às portas fechadas, aos que retomaram suas rotinas de pesca etc. A
descida do Espírito Santo foi essa profusão de comunhão sob um grupo
esperançoso em receber “o companheiro” para caminhada cristã, o consolador.
Qualquer tentativa de viver esta
fé pelo isolamento voluntário, evitando os embates da vida em comunidade, os
conflitos com os diferentes, a convivência com opiniões e mundos diversos,
comprometerá a sua essência. Por isso um ermitão cristão é um paradoxo. Eu não
me isolo para encontrar Deus, ao contrário, eu me ajunto com os outros para
assim poder encontra-lo. Não quero negar a necessidade que todo cristão tem de
tempos em tempos se isolar da agitação rotineira para ficar sozinho com Deus. É
a chamada solitude. Disciplina cristã por demais esquecida de todos nós. Porém,
esse afastar-se é temporário, mas contínuo como deve ser toda disciplina.
Entretanto o outro não é esse ser
maravilhoso, de fácil convívio, romântico, um verdadeiro bom selvagem. Sartre
talvez tenha razão quando diz que o inferno são os outros, se olharmos para os
reinos da terra. Reino onde o outro é apenas um meio para determinados fins, e
que a partir do momento que ele deixa de ser esse meio, descarta-se na primeira
lata de lixo humano – desprezo. Todavia, na espiritualidade cristã o encontro
(conhecer) com o divino exige imprescindivelmente a presença do outro, pois
quem faz do outro o seu fim e não o meio está fazendo a Cristo como alvo final.
E neste sentido, no reino de Deus o céu são os outros.
.