segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Céu são os outros







A fé cristã é essencialmente comunitária. Ela se realiza dentro deste espaço de encontros com os outros. É muito interessante notar que, desde o início do seu ministério, Jesus deixa claro que o seu Reino não é de uma pessoa só, ou mesmo de várias pessoas isoladas cada uma em sua tribo, feudo ou província.
No transcorrer dos três anos, um dos espaços mais simbólicos desta comunidade que vem do céu pra terra é a mesa. Não como utilizavam os romanos que de gostarem tanto de comer, provocavam o vômito para continuarem a se fartarem. Faziam deste “lugar momento” uma arena contra Deus, onde se acentuava as intrigas, disputas, glutonarias, em fim, um lugar profano. Em total oposição, a mesa para fé cristã é espaço de compartilhamento (com +pão), de intimidade, de solidariedade e amizade. É um lugar onde o sagrado senta-se e dá de comer as que se aproximam, sustentando a vida.
Após a ressureição de Cristo suas aparições quase que não se deram a indivíduos isolados, mas sempre a grupos no mínimo de duas pessoas, como os discípulos no caminho de Emaús; às mulheres no sepulcro, a Pedro e João também no mesmo local, aos discípulos receosos em um cenáculo às portas fechadas, aos que retomaram suas rotinas de pesca etc. A descida do Espírito Santo foi essa profusão de comunhão sob um grupo esperançoso em receber “o companheiro” para caminhada cristã, o consolador.
Qualquer tentativa de viver esta fé pelo isolamento voluntário, evitando os embates da vida em comunidade, os conflitos com os diferentes, a convivência com opiniões e mundos diversos, comprometerá a sua essência. Por isso um ermitão cristão é um paradoxo. Eu não me isolo para encontrar Deus, ao contrário, eu me ajunto com os outros para assim poder encontra-lo. Não quero negar a necessidade que todo cristão tem de tempos em tempos se isolar da agitação rotineira para ficar sozinho com Deus. É a chamada solitude. Disciplina cristã por demais esquecida de todos nós. Porém, esse afastar-se é temporário, mas contínuo como deve ser toda disciplina.
Entretanto o outro não é esse ser maravilhoso, de fácil convívio, romântico, um verdadeiro bom selvagem. Sartre talvez tenha razão quando diz que o inferno são os outros, se olharmos para os reinos da terra. Reino onde o outro é apenas um meio para determinados fins, e que a partir do momento que ele deixa de ser esse meio, descarta-se na primeira lata de lixo humano – desprezo. Todavia, na espiritualidade cristã o encontro (conhecer) com o divino exige imprescindivelmente a presença do outro, pois quem faz do outro o seu fim e não o meio está fazendo a Cristo como alvo final. E neste sentido, no reino de Deus o céu são os outros.
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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Ontem de forma voraz, li Guia Politicamente Incorreto da Filosofia de Luiz Filipe Pondé. Leitura desconcertante que coloca em xeque  várias premissas pelas quais se portam a maior parte do povo. Você pode até discordar de seus posicionamentos só não pode permanecer indiferente " a praga" do Politicamente Correto. No mínimo você tem que elaborar uma melhor resposta para o modo como vê este momento atual da humanidade.
O que salta das páginas são ideias que vão de encontro ao que é reverenciado nas universidades, pela mídia, pelo homem médio e consequentemente toda a sociedade de massa.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Os Ungidos de Deus



                                         

A manipulação das pessoas é uma velha prática já conhecida de quase todos os povos em quase todas as épocas. E provavelmente, não há um meio mais eficaz para atingir tal intento do que a utilização da religião . A religião vai lidar com o mistério do sagrado, sua função é aproximar um mundo invisível, governado por um ser todo poderoso, deste mundo tangível de seres mortais e dependentes da misericórdia divina para usufruírem uma vida tranquila, principalmente uma vida pós- morte. 
Logo, neste cenário, adquire grande importância a figura dos sacerdotes que vão servir de mediadores, ou muitas vezes, de verdadeiros representantes de Deus na terra. São eles que recebem em primeira mão as ordenanças divinas; eles são os privilegiados instrumentos humanos de Deus; eles detêm um conhecimento que nenhum outro possui. Uma das implicações mais óbvias destes fatos é o destaque desta classe em relação aos demais indivíduos. Também vai ser de fácil dedução que estes venham querer preservar seu status quo, como é comum a todas as classes privilegiadas.
Porém, o advento do Reino de Deus aqui na terra inaugurado por Cristo, subverte essa ordem e cria uma comunidade de iguais, onde quem se considera grande, adulto, está fora deste reino. Neste Reino não há mais espaços para mistérios, pois o maior mistério que estava oculto desde todos os séculos, agora foi manifesto: Jesus Cristo. Não há mais intermediadores entre Deus e os homens, pois Ele é o único mediador. Não se conhece mais Deus pela boca de um sacerdote que detinha o monopólio da divindade, mas se entregando a esse Jesus que é a plenitude da divindade.
Por isso fico estarrecido quando ainda hoje vejo no meio cristão, líderes fazendo uso de mecanismos de autopreservação alegando possuir uma unção que lhe confere primazia sobre os demais. Para isso, importam um texto do velho testamento e reclama para si a unção do rei destituído Saul sobre suas vidas, utilizando-se da conhecida e desgastada expressão: “não toques no ungido de Deus.” Cometem assim uma violência contra o texto bíblico caindo naquela máxima da hermenêutica: “Quem ler o texto, fora do contexto cria um pretexto para heresias”. O texto em destaque é a negativa de Davi aos seus soldados para não matar Saul o qual tentava dar cabo se sua vida. Interessante notar que aqueles que requerem para sí a unção de Saul, fazem vistas grossas sobre a sua possessão demoníaca e seu intento assassino contra o homem chamado “segundo o coração de Deus”.
No velho Testamento a unção de Deus, que de forma bem simples significa possuir o Espírito de Deus, sobrevinha sobre poucas pessoas, isto é, reis, sacerdotes e profetas para desempenharem funções especiais dentro da sociedade judaica. E é dentro desta mesma sociedade  que o ungido profeta Joel vaticina acerca dos dias que, indistintamente, homens, mulheres, jovens  seriam cheios do Espírito Santo de Deus.
Tal profecia veio a se concretizar no dia de pentecostes quando Pedro em seu discurso arrebatador esclareceu para a turba atônita a confusão que estava acontecendo relembrando as palavras do profeta Joel:  “E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne (grifo nosso); E os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, Os vossos jovens terão visões, E os vossos velhos terão sonhos; E também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão; Atos 2.17-18

A questão que se coloca para nós, então, não é de ir contra ou não a vida dos chamados “ungidos do Senhor” da atualidade, mas realmente não atentar contra a vida de nenhum dos “ungidos de Deus”, o que para nós não se resume, apenas, a uma casta de privilegiados, mas de todos aqueles que fazem parte da comunidade do Reino de Deus.
Portanto, não pairam dúvidas: todos aqueles que usam de terrorismo psicológico para salvaguardarem suas posições, com a clara intenção de não serem questionados, só demonstram desconhecer o Espírito de Deus.