O protestantismo brasileiro é,
antes de tudo, anticatólico. E, estou certo, existem razões que o condicionaram
em nossas terras, ao contrário de, por exemplo, na América do Norte. Mas, por ora,
a análise de tais condicionantes foge ao nosso objetivo para esse texto. O que
nos interessa aqui são as implicações de tal oposição, ou, sendo mais exato, a
implicação.
A rejeição de parte da cultura
brasileira e, principalmente, das artes vai ser esse traço marcante no
protestantismo, já que, aqui e acolá, essa arte vai estar carregada da
religiosidade dominante no povo brasileiro. E, como sabemos, o catolicismo
romano dita a cosmovisão preponderante. Logo, apreciar essas expressões
artísticas não condiz com a vida de uma “nova criatura” convertida ao protestantismo.
A arte sempre foi vista com desconfiança
pelos evangélicos1, quando não totalmente ignorada como campo de atuação
da igreja e muitas vezes tratada como futilidade que levava a distrações
inúteis. Valorizar uma obra de arte oriunda de um meio não protestante era e
ainda é, para muitos, ato impensável.
Mas, pouco a pouco, vem se desvelando a
importância de atentar para estas manifestações culturais, pois elas transmitem
as impressões da alma (vida) humana, no nosso caso específico, alma brasileira.
Dar de ombros a esta importante dimensão humana é mitigar a grande comissão2.
Afinal, o “todo mundo” inclui também o “mundo das artes”.
Nesse contexto, é significativa e
exemplificativa a letra da música Súplica
Cearense, de autoria de Gordurinha, pois ela expressa a religiosidade
sertaneja e a compreensão que o homem do sertão faz de Deus e sua relação com Ele,
vejamos:
Oh! Deus perdoe este
pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus será que o
senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para
o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não
rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu
encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a
toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
A música pinta a imagem de um deus
Inclemente, desproporcional, melindroso e indiferente ao sofrimento humano. E esse deus é produto de uma mensagem
certamente transmitida ao autor pela religião dominante no Brasil, ou seja, o
catolicismo romano. Entretanto, ironicamente, a pretensa distância buscada pelo
protestantismo é encurtada quando constatamos que essa mesma imagem de deus não
lhe é estranha. A teologia protestante, por vezes, tem corroborado com esse
deus que mais parece com uma projeção mal acabada do homem na divindade.
Quando atentamos para nossas
manifestações artísticas percebemos de que forma somos afetados e afetamos com
nossa espiritualidade a cultura em que estamos inseridos. Entende-las nos dá
meios de nos orientarmos nesse processo de reconciliação, através de Cristo,
com todo o mundo. Não importa quem foi o autor da obra, se católico ou
protestante, mas qual a mensagem que ela nos transmite.
1.Nesse texto uso como sinônimo os termos protestante e evangélico.
2. Mc.16.15
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