quinta-feira, 7 de junho de 2012

Evangelho ou Cultura?

O banho, por exemplo. Ele gozou de grande prestígio entre as civilizações antigas e estava associado ao prazer: vide as termas romanas. Durante o império, os banhos públicos multiplicaram-se e muitos se tornaram locais de prostituição. Eram os chamados "banhos bordéis", onde as "filhas do banho" ofereciam seus serviços. Os primeiros cristãos, indignados com a má frequentação, consideravam que uma mulher que fosse aos banhos poderiam ser repudiada. O código de justiniano deu respaldo a ação. Concílio após concílio, tentava-se acabar com eles. Proibido aos religiosos, sobretudo quando jovens, abster-se de banho se tornou sinônimo de santidade. Santa Agnes privou-se deles toda a vida. Ordens monásticas os proibiam aos seus monges. O batismo cristão, antes uma cerimônia comunitária de imersão, transformou-se numa simples aspersão.

Retirado do Livro "Histórias Íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil", de Mary Del Priore

domingo, 20 de maio de 2012

Do Lado da Justiça, do lado de Deus


Há uma história muito conhecida de todos que na maioria das vezes tomamos para demonstrar a grande sabedoria que provinha de Deus para fazer justiça: O rei-juiz Salomão e o caso das duas prostitutas mães de uma criança1. E realmente é de grandiosa sabedoria, inclusive para dias tão conturbados como os nossos.
As querelantes eram duas prostitutas vivendo em um “Estado Teocrático”. Em Israel as transgressões de leis morais condenavam seu agente infrator à marginalidade, se não a penas capitais, como no caso de adultério. Além disso, o próprio juiz da causa em seus escritos sapienciais faz recomendações a evitarem-se relacionamentos íntimos com qualquer uma que vivesse dessa forma.
O método encontrado por Salomão para descobrir quem era a verdadeira mãe - pois não havia testemunhas do ocorrido, muito menos programa do Ratinho para verificação de DNA - foi a famosa intenção de dividir a criança ao meio e dar metade a cada uma. A que verdadeiramente não era mãe preferiu ver a morte do infante que vê-lo nos braços da outra; a que de fato era a genitora da criança, tomada por um amor materno abdicou de criá-la para mantê-la viva. Assim, o amor à vida da criança assinalou quem era a verdadeira mãe.
Apesar de suas convicções, Salomão não as nega o acesso à justiça. Independente do modo de vida destas mulheres, o rei julga o caso buscando trazer solução justa para tal conflito. E para isto, não se exigiu das mulheres, dali em diante, um voto de total obediência ao Deus de Israel. A conversão ao judaísmo não era pré-requisito para se obter justiça.
Desta forma, não tenho o direito de querer que os outros vivam de acordo com minhas crenças, assim como não quero que ninguém me imponha a sua fé e exija uma postura coerente com ela. Não posso negar a uma pessoa o direito que lhe é devido, simplesmente porque minhas convicções vão de encontro a seu determinado modo de vida. Salomão vivendo em um Estado Teocrático, não catequizou as mulheres ao judaísmo; imagine nós, em um Estado democrático de direito que nos garante a liberdade de pensamento e crença.
Em nome de crenças e opiniões alguns não se importam com a “morte de crianças”, desde que o outro não tenha satisfeito o seu pedido mais que legítimo, porém incompatível com a fé daqueles.  O importante é manter-se no seu mundo seguro, sem supostas ameaças dos que não comungam das mesmas ideias. Nega-se o direito, mesmo que isso signifique tolher a existência digna do outro. Na melhor das hipóteses, buscam uma alternativa política2, dividem a criança ao meio, na tentativa de agradar a todos.
Acima de sentimentos mesquinhos e injustos que buscam a prevalência de opiniões e crenças, a vida se encontra. Aliás, é a dignidade da pessoa humana, independente do modo de viver adotado por ela, que tem preponderância quando se trata de fazer justiça.







1. 1 Rs 3.16-28

2. Não se enganem, política é a arte de tentar agradar a todos.


 


sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Último Cristão


A questão é simples. A bíblia é muito fácil de entender. Mas nós, cristãos, somos um bando de vigaristas trapaceiros. Fingimos que não somos capazes de entendê-la porque sabemos muito bem que no minuto em que compreendermos estaremos obrigados a agir em conformidade. Tome qualquer palavra do Novo Testamento e esqueça tudo a não ser o seu comprometimento de agir em conformidade com ela. “Meu Deus”, dirá você, “ se eu fizer isso minha vida estará arruinada. Como vou progredir na vida”.
Aqui jáz o verdadeiro lugar da erudição cristã. A erudição cristã é a prodigiosa invenção da igreja para defender-se da Bíblia; para assegurar que continuemos sendo bons cristãos sem que a Bíblia chegue perto demais. Ah, erudição sem preço! O que seria de nós sem você! Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo. De fato, já é coisa terrível estar sozinho com o novo testamento.
Soren Kierkegaard

domingo, 13 de maio de 2012

Arte, Catolicismo e Protestantismo Brasileiro.



O protestantismo brasileiro é, antes de tudo, anticatólico. E, estou certo, existem razões que o condicionaram em nossas terras, ao contrário de, por exemplo, na América do Norte. Mas, por ora, a análise de tais condicionantes foge ao nosso objetivo para esse texto. O que nos interessa aqui são as implicações de tal oposição, ou, sendo mais exato, a implicação.
A rejeição de parte da cultura brasileira e, principalmente, das artes vai ser esse traço marcante no protestantismo, já que, aqui e acolá, essa arte vai estar carregada da religiosidade dominante no povo brasileiro. E, como sabemos, o catolicismo romano dita a cosmovisão preponderante. Logo, apreciar essas expressões artísticas não condiz com a vida de uma “nova criatura” convertida ao protestantismo.
A arte sempre foi vista com desconfiança pelos evangélicos1, quando não totalmente ignorada como campo de atuação da igreja e muitas vezes tratada como futilidade que levava a distrações inúteis. Valorizar uma obra de arte oriunda de um meio não protestante era e ainda é, para muitos, ato impensável.
 Mas, pouco a pouco, vem se desvelando a importância de atentar para estas manifestações culturais, pois elas transmitem as impressões da alma (vida) humana, no nosso caso específico, alma brasileira. Dar de ombros a esta importante dimensão humana é mitigar a grande comissão2. Afinal, o “todo mundo” inclui também o “mundo das artes”.
Nesse contexto, é significativa e exemplificativa a letra da música Súplica Cearense, de autoria de Gordurinha, pois ela expressa a religiosidade sertaneja e a compreensão que o homem do sertão faz de Deus e sua relação com Ele, vejamos:

Oh! Deus perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará

A música pinta a imagem de um deus Inclemente, desproporcional, melindroso e indiferente ao sofrimento humano.  E esse deus é produto de uma mensagem certamente transmitida ao autor pela religião dominante no Brasil, ou seja, o catolicismo romano. Entretanto, ironicamente, a pretensa distância buscada pelo protestantismo é encurtada quando constatamos que essa mesma imagem de deus não lhe é estranha. A teologia protestante, por vezes, tem corroborado com esse deus que mais parece com uma projeção mal acabada do homem na divindade.
Quando atentamos para nossas manifestações artísticas percebemos de que forma somos afetados e afetamos com nossa espiritualidade a cultura em que estamos inseridos. Entende-las nos dá meios de nos orientarmos nesse processo de reconciliação, através de Cristo, com todo o mundo. Não importa quem foi o autor da obra, se católico ou protestante, mas qual a mensagem que ela nos transmite.





1.Nesse texto uso como sinônimo os termos protestante e evangélico.  
2. Mc.16.15  


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Tenho fé em Cristo, logo existo.








A Fé em geral tem sido associada ao anti- intelectualismo, obscurantismo ou outras expressões quaisquer que signifiquem a supressão do pensar. As comunidades religiosas têm sido excluídas dos debates sociais relevantes, pois existe um preconceito, talvez até impregnado no inconsciente coletivo, graças ao poder da mídia de massa, que qualquer voz que venha do meio religioso carece de plausibilidade. O meio acadêmico tem sido um ambiente belicoso para aqueles que professam qualquer tipo de fé. Existem inclusive cursos de “ateologia” sendo ministrados pela Europa, como os de Michel Onfray, uns dos sacerdotes do neo-ateísmo. Em uma sociedade calcada na máxima de René Descartes : Penso, logo existe. A fé foi colocada à margem e considerada sinônimo de pensamento retrógrado e retratada como símbolo de uma época de trevas na história humana.
Porém, a fé cristã encontrou paladinos que desbravaram terras inóspitas com o objetivo de reconciliar o pensar e a fé. Dentre eles está o reverendo D. Martyn Lloyd-Jones, homem que renunciou a carreira de cardiologista para se tornar um pregador da Palavra de Deus. Em seu livro, Estudos no Sermão do Monte, Dr Lloyd-Jones comenta o seguinte versículo:
"Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?" Mt 6.30
  De forma surpreendente eles nos presenteia com estas palavras:

“A fé, de acordo com o ensinamento do nosso Senhor neste parágrafo, é basicamente o ato de pensar, e todo problema de quem tem uma fé pequena é não pensar. A pessoa permite que as circunstâncias lhe oprimam... temos de dedicar mais tempo ao estudo das lições de nosso Senhor sobre a observação e dedução. A bíblia está repleta de lógica, e de forma alguma devemos pensar que a fé seja algo meramente místico. Nós não sentamos simplesmente numa poltrona, permanecendo à espera que coisas maravilhosas nos aconteçam. Isso não é fé cristã. A fé cristã é, em sua essência, o ato de pensar. Olhem para os pássaros, pensem neles, e façam suas deduções. Vejam os campos, vejam os lírios silvestres, considerem essas coisas... A fé, se quiserem, pode ser definida assim: É insistir em pensar quando tudo parece está determinado a nos oprimir e a nos pôr por terra, intelectualmente falando. O problema com as pessoas de pequena fé é que elas, ao invés de controlarem seus próprios pensamentos, os seus pensamentos é que são controlados por algumas circunstâncias e, como se diz, elas passam a rodar em círculos. Isso é a essência da preocupação... Isso não é pensamento; isso é ausência completa de pensamento, é não pensar.”
Essa aparente incoerência entre Pensar e Fé é superada quando levamos todos os nossos pensamentos cativos a Deus.Tentar isolar em instâncias separadas as dimensões da fé e do pensar só interessa aqueles que voluntariamente rejeitaram o Senhor e amaram mais a criatura que o criador.
  Portanto, como cristão devo conciliar a máxima “penso, logo existo” com tenho fé em Cristo, logo existo. Elas não são auto-excludentes. 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Céu são os outros







A fé cristã é essencialmente comunitária. Ela se realiza dentro deste espaço de encontros com os outros. É muito interessante notar que, desde o início do seu ministério, Jesus deixa claro que o seu Reino não é de uma pessoa só, ou mesmo de várias pessoas isoladas cada uma em sua tribo, feudo ou província.
No transcorrer dos três anos, um dos espaços mais simbólicos desta comunidade que vem do céu pra terra é a mesa. Não como utilizavam os romanos que de gostarem tanto de comer, provocavam o vômito para continuarem a se fartarem. Faziam deste “lugar momento” uma arena contra Deus, onde se acentuava as intrigas, disputas, glutonarias, em fim, um lugar profano. Em total oposição, a mesa para fé cristã é espaço de compartilhamento (com +pão), de intimidade, de solidariedade e amizade. É um lugar onde o sagrado senta-se e dá de comer as que se aproximam, sustentando a vida.
Após a ressureição de Cristo suas aparições quase que não se deram a indivíduos isolados, mas sempre a grupos no mínimo de duas pessoas, como os discípulos no caminho de Emaús; às mulheres no sepulcro, a Pedro e João também no mesmo local, aos discípulos receosos em um cenáculo às portas fechadas, aos que retomaram suas rotinas de pesca etc. A descida do Espírito Santo foi essa profusão de comunhão sob um grupo esperançoso em receber “o companheiro” para caminhada cristã, o consolador.
Qualquer tentativa de viver esta fé pelo isolamento voluntário, evitando os embates da vida em comunidade, os conflitos com os diferentes, a convivência com opiniões e mundos diversos, comprometerá a sua essência. Por isso um ermitão cristão é um paradoxo. Eu não me isolo para encontrar Deus, ao contrário, eu me ajunto com os outros para assim poder encontra-lo. Não quero negar a necessidade que todo cristão tem de tempos em tempos se isolar da agitação rotineira para ficar sozinho com Deus. É a chamada solitude. Disciplina cristã por demais esquecida de todos nós. Porém, esse afastar-se é temporário, mas contínuo como deve ser toda disciplina.
Entretanto o outro não é esse ser maravilhoso, de fácil convívio, romântico, um verdadeiro bom selvagem. Sartre talvez tenha razão quando diz que o inferno são os outros, se olharmos para os reinos da terra. Reino onde o outro é apenas um meio para determinados fins, e que a partir do momento que ele deixa de ser esse meio, descarta-se na primeira lata de lixo humano – desprezo. Todavia, na espiritualidade cristã o encontro (conhecer) com o divino exige imprescindivelmente a presença do outro, pois quem faz do outro o seu fim e não o meio está fazendo a Cristo como alvo final. E neste sentido, no reino de Deus o céu são os outros.
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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Ontem de forma voraz, li Guia Politicamente Incorreto da Filosofia de Luiz Filipe Pondé. Leitura desconcertante que coloca em xeque  várias premissas pelas quais se portam a maior parte do povo. Você pode até discordar de seus posicionamentos só não pode permanecer indiferente " a praga" do Politicamente Correto. No mínimo você tem que elaborar uma melhor resposta para o modo como vê este momento atual da humanidade.
O que salta das páginas são ideias que vão de encontro ao que é reverenciado nas universidades, pela mídia, pelo homem médio e consequentemente toda a sociedade de massa.